Residência Artística - Ceará
O projeto Ouro Branco foi uma residência artística no sertão central do Ceará. Realizado nas comunidades de Tauá, Quixeramobim, Maraquetá e principalmente Riacho do Meio. A idéia central foi de relatar, através da vivência, a história de vida desses moradores, que são na sua maioria agricultores. Acompanhado do curador Paul Duboc e do Fotografo Pablo Saborido, trabalhamos em pinturas murais em várias casas da comunidade e inclusive em uma igreja construída pelos próprios moradores.
Derlon transforma desejos em desenhos
" Luiz Barbosa, 89 anos, vive desde que nasceu em Choró, sertão central do Ceará. Passo curto, camisa azul celeste e chapéu, ele observa um grupo conversando em frente a um grafite. Ouvem-se comentários em português, francês, alemão e inglês, a maioria deles sobre os homens e as mulheres impressos em tinta preta pelo artista pernambucano Derlon em uma das paredes externas da Associação Comunitária dos Agricultores e Agricultoras Familiares de Riacho do Meio, distrito do município. Seu Luiz é um desses personagens: sobre a sua cabeça, vemos desenhada uma casa que simboliza um antigo sonho daquela comunidade de agricultores: ter terra para plantar e casa para morar. Foi a partir desse desejo maior que Derlon realizou uma residência artística cujo resultado foram 12 intervenções em Riacho do Meio, Tauá e Quixeramobim. Textos coletivos produzidos pelos moradores serviram de base para o trabalho que vai reverberar na exposição Ouro branco, a circular nas cidades de São Paulo, Paris, Londres, Rio de Janeiro e Recife.
“É a primeira vez que realizo um trabalho nesta proporção”, diz Derlon, que passou a última semana de março entre as três comunidades. Segundo ele, os textos realizados pelos agricultores e agricultoras foi fundamental para interpretar a vida cotidiana dali. Mais ainda: essa literatura coletiva e pessoal, passada para os esboços, foi novamente retraduzida no momento em que a vida daquela população foi levada para as paredes. “Mudei vários desenhos a partir do que as pessoas daqui iam sugerindo, comentando.” Um exemplo é exatamente o grafite que traz parte da família de Luiz Barbosa: inicialmente, Derlon pensou em registrar um caminhão, mas os moradores do distrito viram nesse desenho uma ideia de deslocamento que não condizia mais com a realidade de agora. De fato, as quatro últimas décadas são de mudanças, algumas mais céleres que outras, naquela região: as terras foram distribuídas entre os moradores depois que o dono das fazendas nos quais eles trabalharam (duramente) foi pego sonegando imposto.
Naquele momento, tinham que entregar metade do que plantavam para o dono da terra. E só podiam vender a própria produção para o mesmo.
Outra mudança foi a forma de plantar: na cultura do algodão, a maior do local, o uso de agrotóxicos virou passado. Agora, todo processo é orgânico.
Toda produção é comprada pela marca de tênis franco-brasileira Vert, que também adquire borracha vinda do Acre (ambos são usados na confecção dos sapatos). Entrando recentemente no mercado local, a empresa convidou Derlon para ser o fio condutor do projeto Ouro Branco, que está sendo fotografado pelo argentino Pablo Saborido e documentado pelo cineasta Gonçalo Gavino. O desenho de alto contraste do pernambucano também será usado na estampa de uma coleção (tênis, mochila e outros acessórios) a ser lançada para o inverno. Lidando diretamente com associações, a empresa diminui drasticamente os intermediários, o que resulta no aumento do pagamento dos agricultores.
Em Riacho do Meio, um dos destaques das intervenções é a igrejinha da Sagrada Família, ao lado da associação. Ali, uma Nossa Senhora das Graças, o
Divino Espírito Santo e o trio formado por José, Maria e Jesus dão beleza à fachada. Há também, na casa das sementes, um belo painel onde vemos um homem deitado, a expressão feliz, segurando uma árvore que cresce em suas mãos."
Publicado em 01/04/2014, Por Fabiana Moraes para o JC